Educação e democratização (ou popularização, ou ainda, para seus detratores, massificação) sempre andaram de mãos dadas. Data dos anos 70 as iniciativas mais frutíferas para divulgar – por meio de bancas de jornais – a cultura. Coleções como Os Pensadores e Os Gênios da Pintura forma sem dúvida marcos na produção editorial brasileira, obras de referência até hoje para suas áreas. Atualmente, vários jornais tentam reeditar tais sucessos de público, lançando e relançando coleções. A mais recente tentativa é a da Folha de São Paulo ao relançar fascículos encadernados nos moldes dos antigos "Gênios da pintura". Para esta coleção, a Folha teve o cuidado de contar com a colaboração de uma especialista, Maria Carolina Duprat Ruggeri, para fazer as devidas aclimatações tendo em vista o público brasileiro. Maria Carolina, Caru, como é mais conhecida, é artista plástica e teórica das artes, professora da Faap e coordenadora da Pós-graduação em História da Arte da mesma instituição.
Nesta entrevista ela fala um pouco desse seu trabalho
Cores Primárias - Quais as novidades que a coleção da Folha de São Paulo traz em relação as anteriores?
Caru Duprat - O que chama atenção nesta coleção é um equilíbrio de texto e imagem, obra e vida. Não há um privilégio de um sobre o outro. A biografia é bastante abrangente e ricamente ilustrada, favorecendo a contextualização da época para o leitor. A galeria, com quase trinta obras por artista, é apresentada por uma historiadora espanhola, Tereza Camps, que faz uma apreciação sobre o artista e sobre cada obra, contemplando a visão de vários historiadores que são referências acadêmicas. Esta coleção foi elaborada na Espanha através da Editora Sol 90 e coordenada e organizada pela Diretoria de Circulação da Folha.
Cores Primárias - Como está sendo o trabalho de adaptação dos textos e das imagens da coleção para o público brasileiro?
Caru Duprat - Em relação ao Brasil, inclui os museus que tem obras destes artistas em seus acervos. Com relação à adaptação de texto, foram feitas algumas interferências na biografia realçando aspectos que são conhecidos por nós, e dando uma ênfase maior nos elementos que falam sobre o processo de criação.
Cores Primárias - Como professora, como você vê a importância destas coleções para a divulgação da História da Arte? Elas abrem caminhos para o aprofundamento e a reflexão?
Caru Duprat - A coleção foi elaborada de forma bastante didática, o que favorece a compreensão da produção do artista, conectada aos movimentos artísticos dominantes e ao contexto da época. Ela fornece informações básicas, enriquecida pelas opiniões de importantes teóricos da arte. Portanto, atende a expectativa do público leigo, como também, apresenta para aqueles que querem se aprofundar no assunto as principais referências teóricas sobre cada artista.
Há muitas considerações sobre processos de criação, reunindo relatos e documentos pessoais, textos de críticos, poetas e amigos dos artistas, que ao meu ver é um dado muito importante no ensino da arte, pois aproxima o leitor da formação artística dos grandes mestres.
Em relação a divulgação da História da Arte ela torna este conhecimento acessível.Um grande diferencial no lançamento desta coleção é o seu preço, que permite que muitas pessoas tenham acesso a um conhecimento que normalmente fica circunscrito a uma classe de interessados restrita, pois os livros especializados têm um preço elevado.
As vendas superaram as expectativas, são milhares e milhares de livros circulando, de uma semana para outra, o que revela a existência de um grande público interessado em arte, mas que na maioria das vezes não pode ter acesso.
O preço de venda, de forma alguma, influiu na qualidade do conteúdo e da impressão. Foi com muito prazer que acompanhei o cuidado da Equipe da Folha de São Paulo e mais especificamente, o Departamento de Circulação e da Editora Sol 90, para elevar a qualidade da edição, começando pelo papel, o projeto e design das capas, o cuidado com a tradução e com a revisão do texto, o trabalho minucioso com a imagem, procurando preservar ao máximo a textura e as cores das obras.
Hoje o conhecimento da História da Arte é fundamental e integrante no ensino da arte. Esta área do conhecimento faz parte dos Parâmetros curriculares que regem os planos de curso do ensino formal e atualmente é conteúdo de vestibular.
É fundamental que os professores se aprofundem nesta área e uma coleção como esta pode servir de subsídio e referência para uma busca mais aprofundada sobre o assunto.
Cores Primárias - Sabemos que estas coleções visam a um público amplo e leigo. Mas não há o risco de estas coleções tornarem-se "bibliografia obrigatória" para cursos de graduação, em detrimento de textos mais especializados, mais complexos e menos "agradáveis"
Caru Duprat - De forma alguma, esta coleção não visa substituir as importantes referências teóricas, que sempre atenderam a especificidade da área.
Acredito que irá ampliar as nossas possibilidades de pesquisa e provocar os leitores para a busca de suas próprias questões.
Provocar, principalmente, o leitor que sempre teve curiosidade e interesse, mas que não se aventurava nesta área, até mesmo pelo distanciamento que a arte provoca em certas circunstâncias.
Cores Primárias - Como foi a seleção dos "grandes mestres"? Porque a seleção contempla somente artistas europeus?
Caru Duprat - A seleção focada na Europa se deu, em grande parte, pelo fato de ser uma coleção que foi produzida na Espanha.
Cores Primárias - A fixação de cânones como "gênios" ou “mestres da pintura” não incentiva uma leitura padronizada e estereotipada da arte? Como esta coleção tenta escapar destes riscos?
Caru Duprat - Acho sim que a seleção é tradicional e privilegia os artistas sempre eleitos, porém a escolha foi feita, determinando um período de 500 anos, escolhendo artistas que revolucionaram a linguagem pictórica até o modernismo. Há lacunas, mas não teria como evitá-las, quando se tem um número de 20 exemplares pré-determinados.
Considerando que há muitos anos não se faz uma edição como esta e que a intenção é alcançar o grande público, não vejo esta seleção com uma leitura estereotipada ou padronizada e sim como uma apresentação dos pilares da história ocidental.
Cores Primárias - Em uma era de informação fácil, via internet, qual a importância do livro – desta coleção em particular – no seu entender?
Caru Duprat - A Internet é uma fonte de informações muito ampla, mas é necessário saber o que deve ser consultado. O risco de obtermos falsas informações é muito grande. É necessário um certo conhecimento para poder se orientar pelos diversos sites. As editoras garantem a qualidade de seus livros e de seus autores, pois tem uma responsabilidade com os seus clientes. O material impresso mantém o seu lugar de importância entre os estudantes e pesquisadores e a relação com a biblioteca é fundamental para que os links sejam feitos de forma mais orgânica. O contato com o texto e com a imagem impressa tem uma dimensão diferente para a nossa percepção. Esta coleção, na maneira como foi editada, proporciona este contato.
A coleção foi lançada em 15 de abril com Van Gogh e Cézanne, e deve terminar em 19 de agosto com Klint. Já foram publicados além dos fascículos já citados, Leonardo da Vinci, Monet, Goya, Picasso, Velásquez e Matisse. Faltam, pela ordem, Michelangelo, Gauguin, Miro, Caravagio, Dali, Delacroix, Munch, Renoir, Rembrandt, Kandinsky, Degas e Klint. |